As novas empresas investem em clientes "mimados"

Publicado em 17/06/2015

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O setor de tecnologia costumava pensar grande. Em 1977, quando os computadores pessoais eram caros e não passavam de caixas misteriosas, pouco práticas e sem perspectivas comerciais, os jovens Bill Gates e Paul Allen já trabalhavam pensando num futuro em que veríamos "um computador em toda escrivaninha e em todas as casas". E no final da década de 90, quando não estava nem um pouco claro se ganhariam um centavo com seu mecanismo de busca incomum, os fundadores audaciosos do Google já planejavam organizar todos os dados do planeta – e disponibilizá-los a todos, de graça. Eram sonhos de grande amplitude: os fundadores da Microsoft, do Google, do Facebook e muitos dos outros gigantes da tecnologia de hoje não estavam contentes em conquistar o apoio de algumas pessoas para o futuro que planejavam. Eles não estavam indo atrás apenas dos ricos, dos norte-americanos ou dos ocidentais. Eles planejavam alterar radicalmente como o mundo negociava para que o impossível se tornasse uma realidade para todo o mundo. Que fim levaram as visões democráticas grandiosas da tecnologia para o futuro? Estamos vivendo novamente uma época agitada para a tecnologia, mas existem poucos sinais de que os frutos mais importantes do boom chegam às massas. Pelo contrário, o boom é caracterizado pela ascensão de serviços por encomenda para os ricos e os jovens. CONQUISTAR ESCALA PARA CRESCER Bastam uns toques no telefone, pagando uma tarifa, e as empresas mais quentes do momento ajudam as pessoas a abastadas a viverem com opulência. Esses serviços dão aos modestamente ricos a chance de desfrutar de cozinheiros, empregados domésticos, motoristas, assistentes pessoais e todos os cargos luxuosos que definiram os ricos extravagantes. Como tuitou um crítico, o setor de tecnologia de San Francisco "está concentrado em resolver um problema: o que minha mãe não faz mais por mim". Não é isso, respondem as empresas, que, hoje, parecem estar mirando nos ricos. É da natureza do segmento tecnológico que os custos caiam. Por meio da inovação repetida e entrega em escala, os supercomputadores dos anos 60 se tornaram os PC dos anos 80. Por sua vez, esses viraram os smartphones da década de 2010. Os ricos subsidiam todo o resto – se não fossem por eles que gastaram mais de US$ 10 mil nas primeiras versões do Mac, a Apple talvez não tivesse sobrevivido para fabricar o iPhone e gerar uma era de supercomputadores de bolso baratos. Essa é a defesa básica da nova onda de empresas novatas por encomenda: se suas visões ideais de crescimento se concretizarem, elas conquistarão uma escala que lhes permitirá reduzir os preços e, dessa forma, oferecer serviços que poderiam modificar radicalmente como as pessoas comuns vivem. É uma visão plausível – mas improvável. Para conquistar a escala que permitirá alcançar um público maior, tudo terá que dar certo para essas empresas, e o sucesso terá que se alimentar de si mesmo, o que raramente acontece no mundo da tecnologia. MUNCHERY: COMIDA CARA PARA TODOS Recentemente, duas empresas que são o arquétipo do serviço por encomenda me permitiram investigar seus modelos econômicos, para ver como podem chegar a uma escala em massa. Uma é a Shuddle, companhia que está criando um serviço de carona para crianças – um Uber para levar as crianças à escola e ao futebol. Outra é a Munchery, que entrega comida com qualidade de restaurante à sua porta (pode-se pensar como um mestre-cuca pessoal por encomenda). As duas resistiram à noção de que estão criando serviços para os ricos e explicaram em detalhes como pretendem atender toda a população e reduzir os preços. "O lançamento de um serviço é bastante caro, mas temos uma missão interna de tornar a boa comida acessível a todos, em todo lugar. Se apenas atendermos a classe média alta ou as pessoas ricas, então não conquistaremos tal meta", disse Tri Tran, um dos fundadores da Munchery e seu diretor-presidente.Ele reconheceu que os preços não são, mas alegou que o modelo de negócios logo permitiria um acesso de maior parte da população. Criada em 2010, a Munchery opera na área da baía de San Francisco, Seattle, Nova York e, logo, Los Angeles. Agora, o prato principal para adulto custa entre US$ 11 e US$12; o valor cai para metade no caso de crianças. Com taxa de entrega de US$ 3, o jantar de uma família de quatro pessoas custaria perto de US$ 37. Porém, como muitas empresas de comércio eletrônico, a Munchery desfruta de determinadas vantagens de custo em relação às colegas do mundo analógico, o que, segundo Tran, resultará em preços menores. Ela compra ingredientes de alta qualidade a granel, usa uma cozinha só, em uma área distante da cidade, e utiliza técnicas culinárias avançadas para reduzir o trabalho. Tran promete que dentro de alguns meses os pratos com frango, carne e peixe custarão menos de US$ 10 a porção; os com massa ficarão na casa dos US$ 7. A longo prazo, Tran mira preços competitivos com os das cadeias de lanchonetes, dando a impressão que cozinhar em casa é caro. "Se você comprar ingredientes da mesma qualidade que nós e cozinhar em casa, vai pagar mais caro só pelos ingredientes." Quem é bom de garfo pode rir dessa ideia, mas sociólogos constataram que, para muitas famílias de classe baixa e média, cozinhar todo dia demanda muito tempo, planejamento e dinheiro. Se a Munchery conseguir fazer um jantar de qualidade com preços comparáveis a sanduíches, sem muito tempo, esse serviço não seria útil para quem não é milionário. . SHUDDLE: MOTORISTA PARTICULAR PARA CRIANÇAS O mesmo argumento também pode ser aplicado à Shuddle, criada por Nick Allen, fundador do serviço de compartilhamento de carona Sidecar, que disse estar interessado em resolver um problema de quem tem filhos hoje: no caso dos pais que trabalham, as crianças precisam ser transportadas de casa para escola e para suas outras atividades, o que exige muito tempo e dinheiro. Falei com vários pais que se mostraram entusiasmados. "É fantástico ter alguém que leve seus filhos enquanto você prepara o jantar, para todos jantarem em um horário lógico", disse Rana DiOrio, mãe de três filhos da área da baía de San Francisco que usa o Shuddle algumas vezes por semana há meses. Diretora-presidente de uma editora de livros infantis, DiOrio disse que achou o serviço mais barato do que contratar uma babá por uma hora para dirigir um carro, mas admitiu que estava relativamente bem de vida e que o preço não atenderia a todos. Atualmente, a maioria dos pais paga de US$ 12 a US$ 15 por carona – mais do que serviços por encomenda, como o Uber e muito mais do que o transporte público, que não está disponível em todos os lugares. O custo se explica em parte pela complexidade. A Shuddle faz uma análise maior dos motoristas do que seus concorrentes, incluindo experiência anterior com crianças. Por causa disso, quase todos os seus 250 motoristas são mulheres. Para distribuí-los de forma eficiente em áreas de baixa densidade como os subúrbios, os pais precisam reservar as caronas com antecedência e, para ajudar a coordenar as viagens, as crianças devem ter celulares básicos. A empresa usa um programa para acompanhar o nível de cuidado com que os motoristas conduzem os carros. Entretanto, Allen tem um plano para reduzir bastante os preços: caronas. À medida que a Shuddle crescer, ela irá aprender os hábitos de carona das famílias locais e conseguirá colocar várias crianças em carros ou furgões, reduzindo significativamente o valor. Depois de ouvir as empresas, ainda não sei se elas chegarão ao ponto em que conseguirão servir ao povo em geral. Porém, mesmo que Shuddle e Munchery não reduzam os preços o suficiente para atender o público como um todo, elas merecem o crédito de tentar – em vez de se concentrar apenas nos ricos. Diário do Comércio

Sobre o autor

Alberto Spoljarick Neto

Alberto Spoljarick Neto é o gerente de marketing e eventos da Associação Comercial e Industrial de Mogi Guaçu. Formado em Publicidade e Propaganda e Relações Públicas pela ESAMC, ele continua se aperfeiçoando em tendências de consumo de mercado e as aplicando para os empreendedores de nossa cidade.


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