Em ano de recessão, o caixa é o rei da empresa

Publicado em 24/04/2015

Tempo de Leitura • 9 min

Para a indústria, é o dinheiro para produzir. Para o comércio, o recurso para adquirir produtos e vendê-los. Este é o capital de giro, que diz muito sobre a capacidade da empresa de produzir e vender, de acordo com seu ramo de atuação. Por força de um hábito não muito saudável, é um recurso que acaba sendo obtido repetidamente em bancos. Especialistas em gestão financeira dizem que neste ano o capital de giro deve ser olhado com mais atenção, a começar pelo controle do fluxo de caixa. A boa gestão deve se estender ao estoque e prazos de recebimento e de pagamento. “Quando bons ventos sopram na economia, o empresário que não controla bem esses pontos da administração financeira não sente muita diferença. Pega o crédito do banco e depois paga com a receita das vendas. Mas no recessivo ano de 2015 uma empresa assim pode ser prejudicada, ainda mais se for de pequeno porte”, diz João Carlos Natal, consultor do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo). A mania de pegar o capital de giro automaticamente no banco terá de ser revista, já que o custo dessa linha de financiamento é cada vez maior. Segundo dados do Banco Central (BC), o custo médio desta linha de crédito a empresas subiu 1,5 ponto percentual (p.p.) em 12 meses. Em fevereiro, o juro médio era de 23,2% ao ano, ou 1,75% ao mês, na comparação com 21,7% ao ano (o equivalente a 1,65% ao mês) em fevereiro de 2014. Joseph Couri, presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), diz que mais da metade das empresas do setor apresentam problemas com o capital de giro. “Quando se trata da pequena indústria, 35% dizem que seu capital de giro é muito pouco diante do que precisam e 22% afirmam que o valor a que têm acesso é insuficiente. Eles negociam prazos mais longos para pagar o banco, mas ainda assim não têm condições de pagar porque não estão vendendo”, diz. “O que tenho recomendado é negociar. O pequeno industrial deve pedir projeções para os clientes do que eles pretendem comprar daqui a 30 dias. O mesmo vale fazer com o fornecedor e com o banco”, diz Couri. Wagner Furtado, fundador da Cashmonitor, empresa de soluções de automação de fluxo de caixa e conciliação de vendas de cartão – que faz parte da rede mundial da Endeavor – diz que os efeitos da má gestão do fluxo de caixa para uma pequena empresa são mais perversos do que para as grandes. “O grande tem acesso ao mercado de dinheiro para corrigir seus erros. O pequeno e o médio não podem errar, pois isso custará a sobrevivência deles”, diz Furtado, com a experiência de quem treinou executivos financeiros de grandes e médias empresas. Ele diz que o caixa e o capital de giro são áreas conflitantes dentro da empresa – já que o empreendedor pode gerenciá-las visando apenas o lucro para os acionistas ou com o objetivo de gerar caixa. “Quem toma decisões de capital de giro voltadas ao lucro pode quebrar o caixa. E nessa hora eu repito a máxima: uma empresa jamais quebra por falta de lucro e sim por falta de caixa”, diz Furtado. Não que o lucro não seja importante. Mas neste ano de recessão, no qual a liquidez diminuiu, os esforços devem se concentrar no caixa. Em 2015 ele é o rei. Especialistas enumeram medidas para tomar as rédeas do capital de giro e do caixa. Pode parecer um conselho primário, mas no cotidiano das micro e pequenas ainda há empresários com o hábito de usar o dinheiro do caixa para pagar uma fatura pessoal. Nem é preciso dizer que isso cria um caos nas finanças de ambos. Para a empresa, o resultado é falta de caixa para pagar despesas fixas e girar a operação. “Por isso, o empreendedor deve determinar uma retirada mensal para pagar suas despesas pessoais. Ela será um custo fixo da empresa”, diz Otto Nogami, professor de economia do Insper. Sabendo para onde os recursos do caixa são direcionados, o empreendedor pode montar uma reserva técnica que suporte os custos fixos da empresa por três meses. “Quem faz esse estudo acaba descobrindo quais as despesas que podem ser reduzidas na empresa. Nesse momento, corte o desperdício”, afirma. Nogami diz que a tendência é que fornecedores ofereçam descontos para vender maior quantidade de produtos, o qual o empreendedor precisa resistir. “Muitos compram mais copos de plástico ou mais cartões de visita porque o preço estava baixo. Mas isso será usado quando? É dinheiro parado. E juntando tudo, a diferença é grande”, diz. Em resumo, as compras devem ser feitas sob medida em ano de crise, no qual o custo de oportunidade do dinheiro é maior. Capital de giro, definitivamente, não é comprar dinheiro e pagar juros. Ele pode ser um recurso gerado pela empresa e, assim, ser gerenciado por meio da revisão de políticas de estoque, de vendas e de prazos de pagamentos. “Mesmo executivos de grandes empresas têm dificuldade de colocar isso em prática”, diz Furtado, da Cashmonitor. Para avaliar cada uma dessas áreas, no entanto, será preciso ter um histórico do fluxo de caixa, das entradas e saídas de recursos. O histórico ajuda a determinar qual é a necessidade de ter capital de giro para bancar a operação no intervalo entre o pagamento e o recebimento. Natal, do Sebrae-SP, diz que não outro jeito de fazer esse controle bem feito se ele não se tornar um hábito, ou seja, que o empreendedor faça automaticamente. “Distribuímos um modelo de planilha, mas é preciso trabalhar nela diariamente e mensalmente. Só assim dá para conversar sobre como foi o mês, o ano passado e sobre como será o próximo mês e o próximo ano", diz. Projetar o fluxo de caixa é uma forma de tomar decisões que se antecipam a fatos que podem ser estimados. Ele permite, por exemplo, já começar uma reserva técnica para pagar o décimo-terceiro salário de funcionários, em vez de recorrer ao banco no fim do ano. Furtado, da Cashmonitor, diz que o empreendedor deve primeiro entender como seu ciclo de caixa funciona, se voltado para o lucro ou para o capital de giro. Isso ajudará a reavaliar os prazos de recebimento. Quem quer aumentar o lucro por meio de vendas pode adotar a estratégia de alongar o prazo de recebimento dos clientes de 30 dias para 45 dias. “Será preciso verificar se, com isso, haverá dinheiro para girar a operação e fazer as seguintes perguntas: será preciso pedir ao banco? qual será o custo? isso compensa? e se a linha secar? Há empresas que quebram porque não suportam o aumento de vendas. Então é preciso descobrir quantos dias a empresa consegue bancar o caixa”, afirma. Este é um ponto polêmico, já que não é só reduzir o prazo de recebimento. Isso pode custar a perda de clientes para a concorrência. Então, uma estratégia que Furtado recomenda é a de manter o prazo atual de recebimento e entregar mais rápido, reduzindo automaticamente a data para receber do cliente. “Se, por exemplo, eu vendo copos e meu prazo de recebimento é de 30 dias, assim como o da concorrência, vou fazer a minha equipe despachar esse pedido mais rapidamente. Se hoje o pedido demora cinco dias para sair da fábrica, passará a sair em um dia após solicitado. Automaticamente encurto meu prazo de recebimento em quatro dias”, diz. Isso implica em aumentar a produtividade em todos os processos internos da empresa, com o único objetivo de elevar o caixa. Esse é um ponto sensível e cada caso é um caso. Furtado diz que é preciso entender as forças do negócio para entender o estoque. A questão não é se o empreendedor acha que vai vender o que está estocando, mas o que realmente o cliente está procurando. Em geral, do ponto de vista financeiro, produto em estoque é dinheiro parado e, assim, sem remuneração. Para a boa saúde do capital de giro e do caixa, quanto menor o estoque, melhor. Quem compra menos, ou aos poucos, vai necessitar de menos capital de giro. Nogami, do Insper, diz que o estoque só representa um investimento quando o empreendedor tem recursos suficientes em caixa para fazer o giro e, ainda, percebe que manter um produto estocado vai resultar em ganho superior ao de uma aplicação financeira. “Só nos casos de quem tem folga financeira para adquirir um produto que vai subir de preço. Assim, ele ganharia mais do que se o dinheiro estivesse aplicado. Nos demais casos o estoque é um custo mesmo”, afirma o professor. Natal recomenda a quem está com estoques cheios que tome medidas para girar o produto, para que se transforme em dinheiro. O gestor que entende bem do próprio negócio pode negociar prazos maiores de pagamento junto aos fornecedores. E isso nem sempre é fácil porque significará, na prática, comprar menos e pagar em um prazo maior. “Aproveite o ano de recessão para conseguir o benefício do prazo de pagamento mesmo comprando menos. O poder de negociação ainda é grande nesse período porque o fornecedor prefere vender do que perder um cliente, mesmo que a margem seja menor”, diz Nogami, do Insper. Natal, do Sebrae-SP, diz que, com controles bem feitos, é possível pedir para pagar o fornecedor no dia que o empreendedor receber do cliente. "Às vezes, esse prazo nem é tão grande. Se ele tem que pagar o fornecedor no dia 17 e sabe que vai receber no dia 22 pode pedir essa diferença de dias. Assim, concilia as datas para não precisar usar o limite do banco e nem atrasar pagamentos”, diz. As medidas para melhorar a gestão do fluxo de caixa e do capital de giro não necessariamente excluem o crédito. O empresário pode recorrer a linhas desde que o uso seja moderado e controlado. “Quem sabe usar esse dinheiro pode alavancar a operação e isso é saudável. O problema é não saber usar e pagar juros e, ainda, se tornar dependente”, afirma. Outro sinal de inabilidade ou de preguiça do gestor é a antecipação de recebíveis de cartão de crédito para obter o capital de giro. “Quem antecipa, deve saber o motivo que o levou a fazer isso, já que esta atitude implica em um maior custo”, afirma. Um erro de quem não sabe usar o crédito é o de solicitar empréstimo apenas para o capital de giro quando na verdade já estava devendo R$ 10 mil, por exemplo. “Antes de ir ao banco calcule todo o dinheiro que precisa, para o pagamento de dívidas e o capital de giro”, diz Natal. Diário do Comércio

Sobre o autor

Alberto Spoljarick Neto

Alberto Spoljarick Neto é o gerente de marketing e eventos da Associação Comercial e Industrial de Mogi Guaçu. Formado em Publicidade e Propaganda e Relações Públicas pela ESAMC, ele continua se aperfeiçoando em tendências de consumo de mercado e as aplicando para os empreendedores de nossa cidade.