“O Brasil tem potencial para voltar a crescer”

Publicado em 23/02/2015

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Inflação e juros em alta, escassez de água, energia elétrica mais cara, consumidor com medo de gastar num ano em que o governo promete cortar gastos, o que quer dizer, investimentos. O que a indústria e o comércio podem fazer para tentar driblar os efeitos de uma economia que agora tem tudo para ser uma das mais recessivas dos últimos tempos? “Primeiro, ao escutar as notícias dos telejornais, devo me perguntar: o que é que eu tenho a ver com isso? A minha empresa será afetada com essa notícia? A crise chegou até a minha região?”, pergunta o economista Roberto Macedo, coordenador do Conselho de Economia da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). Em entrevista do Diário do Comércio, Macedo, mestre e doutor em Economia pela Universidade de Harvard e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, tem uma visão mais otimista sobre os rumos da economia para este ano do que a maioria dos economistas. Para ele, nem todos os setores serão afetados da mesma forma. Ele cita, por exemplo, todos os segmentos envolvidos na produção de soja. Em dez anos, diz ele, a China vai aumentar em cerca de 40% a importação de soja e quase tudo será suprido pelo Brasil. Regiões do Norte e do Centro-Oeste, portanto, segundo ele, devem continuar crescendo. O setor de serviços, a seu ver, também continua indo bem. O restaurante por quilo que ele almoça, pelo menos, está sempre lotado. “Quando a gente olha para a frente, vemos, sim, uma situação meio cinzenta para o Brasil. Neste caso, o que as empresas devem fazer? Devem aumentar a produtividade, cortar custos e ficar de olho na concorrência, ser mais competitiva, ganhar mercado. Isso é o básico.” O empresário, diz, não deve se desesperar, e, para se explicar, Macedo se vale de uma metáfora: “Não deixe o carro bater, desvie, vá para o acostamento, mesmo que não haja encostamento. Eu já salvei mulher e três filhos quando peguei uma chuva na estrada certa vez. Não gritei e esperei o carro bater, eu desviei”, afirma. Leia a seguir os principais trechos da entrevista. As perspectivas não são das mais otimistas para o país, tanto que o próprio governo já fala em recessão. O que as indústrias, os comerciantes podem esperar para este ano? Não podemos esquecer que o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro é um dos maiores do mundo, é o sétimo ou o oitavo, dependendo da taxa de câmbio. Independentemente do resultado deste ano, claro, o país tem uma situação fiscal horrível, pois o déficit final foi aumentando, e o superávit primário passou para negativo, a ponto de a presidente Dilma Rousseff chamar o Joaquim mãos de tesoura (Joaquim Levy, ministro da Fazenda). Esse era o apelido dele quando ele estava na secretaria do Tesouro. Eu gosto do Joaquim Levy. O sr. acha que ele vai conseguir fazer os ajustes necessários para que o país volte a crescer, contribuindo para a melhora da confiança dos consumidores e dos empresários? Isso é incerto. Dou de 55% a 60% de chance para ele conseguir passar as medidas que ele propõe. Isso porque a aceitação do tratamento desagradável depende da gravidade do problema. Eles (o governo) vão mostrar um quadro grave e vão mandar o Joaquim para o Congresso. Muito provavelmente parte das medidas vai passar. Eu mesmo já negociei com o Congresso. Talvez eles não vão deixar passar uma ou outra medida. Quais medidas não devem passar? Acho que o maior problema estará na área trabalhista, como as mudanças no seguro desemprego e no abono salarial. Talvez a medida que trata de pensão de cônjuge passe. As outras medidas, como aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), atualização de preços de energia e combustível devem passar. Aliás, não precisa passar 100%. E o governo deverá fazer a parte dele, isto é, deverá cortar gastos? Bom, o governo tem controle só de 10% dos gastos, e aí ele acaba cortando investimento, o que eu acho errado. Aproveito para dizer que o conceito de superávit primário, como a poupança que o governo faz, está errado. Às vezes, ele (o governo) faz superávit primário aumentando imposto. Que raio de poupança é essa? Aí é fácil, aumentar poupança, aumentando o salário. Este conceito do governo de superávit primário para mim é uma aberração. Deveria ficar só no resultado final. Dei uma palestra uma vez nos Estados Unidos e falei em superávit primário e ninguém entendeu o que é isso. Poucos países adotam isso. Quando um país fala em déficit, fala no resultado final, não tem essa lorota que existe aqui no Brasil. Como o sr. vê a condução da economia neste momento? A equipe econômica só quer saber do tripé, eu até costumo chamar os economistas do governo de ‘tripesistas’, pois eles só pensam em meta de inflação, superávit primário e taxa de câmbio flutuante. Agora, estabilizar a economia não quer dizer que ela vá crescer. No caso de um avião, por exemplo, o piloto utiliza os flaps para estabilizá-lo. Agora, para voar, o avião precisa de um motor. É aí que eu vejo que falta a segunda parte do programa do governo, que até agora não foi anunciada. Até agora, o Nelson Barbosa (ministro do Planejamento) não disse a que veio. O sr. então está prevendo um ano ruim? Lembra aquela frase do Vinícius de Moraes quando chegou ao Brasil de Nova York. ‘Lá era bom, mas era uma m.... Aqui é uma m...., mas é bom.’ Pode ser ruim, mas pode ser bom. Vai ser bom, por exemplo, se o país caminhar na direção de sair desta situação atual. Se tiver um resultado fiscal melhor, será uma boa notícia, seria como você entrar em um tratamento e o médico dizer que a cirurgia foi um sucesso. Quais as perspectivas para as indústrias? As indústrias têm os problemas particulares delas. Elas precisam criar perspectivas de que vão sair bem. Isso está faltando no programa do governo. O Nelson Barbosa precisa aparecer mais na mídia com programas dele. Está tudo muito concentrado no Joaquim Levy. Ele diz que o país vai passar por um tratamento dolorido. Só que é preciso criar perspectivas. Qual é a forma de o governo fazer isso? O governo deveria partir para um programa ousado de concessões dos serviços públicos, parcerias público-privadas. Por mim, eu entregava até a Petrobras. O governo não tem dinheiro para investir e, portanto, precisa fazer parcerias com o setor privado. Veja só. O PT aprecia tanto a estatização que isso acabou levando para essa situação de ter que privatizar algumas coisas. Aquele programa de estradas anunciado pela presidente Dilma, em agosto de 2012, eu elogiei, pois eu quero bem o meu país. Agora o de ferrovias não saiu nada, e o programa de estradas também está atrasado. O governo vai concluir uma hidrelétrica na Amazônia que não tem linha de transmissão. Um parque de energia eólica ficou pronto na Bahia, e não tem linha de transmissão. O que nós precisávamos era de um executivo para cada projeto, para fazer a coisa andar. Olha, neste Carnaval eu pensei, será que a gente precisa de um carnavalesco no governo? Estive no sambódromo este ano. Fiquei impressionado. Como é que em um ano os carnavalescos colocam tudo aquilo para funcionar. A Portela conseguiu baixar uma águia gigante para não bater em uma torre. Achei que ia bater, mas foi um sucesso, por quê? Porque eles previram o obstáculo. É isso o que o governo precisa fazer. Quais são os principais obstáculos para o país crescer? O Brasil precisa aumentar a taxa de investimento. Uma coisa que não dá certo para você também não dá para a economia como um todo. Você prospera na vida economizando dinheiro, e o mesmo vale para o país. Tem economista que acha que expandindo o consumo você consegue levar a economia para a frente. Na verdade, isso só vale em momentos de crise. Você não pode o tempo todo dar crédito para o consumidor que uma hora ele vai ficar endividado e aí a coisa trava. Pega um país qualquer, tipo aquele que financiou a Portela (Guiné Equatorial), monta um diário oficial, imprime leis, o banco começa a dar crédito e aumenta o salário mínimo. O que vai acontecer? O país vai entrar em uma crise de crédito, e o governo vai ficar endividado. O que se ensina é que o governo gaste, e a população se endivide. Isso é remédio de curto prazo. Em países com moeda forte, isso pode se sustentar por algum tempo, como os Estados Unidos, que se sustentam com o dólar. Agora, aqui, essa é a grande falha do Brasil, que não estimula a pessoa a poupar. Se eu tenho alguma coisa, se o país tem alguma coisa, é com poupança. Quais seriam as consequências se a classe média que emergiu perdesse o poder de consumo? Classe média é um mito. O que temos é classe de renda média, que é média, é baixa e é pobre. Houve uma melhora de vida. O que pode ocorrer agora é não avançar mais, um retrocesso eu já acho mais difícil. Acredito que o Brasil tem potencial para voltar a crescer. E, se você está no governo, você tem de colocar isso como meta e fazer o diabo para conseguir atingir a meta, tem que lutar. O desemprego e o medo de ficar desempregado têm deixado os consumidores inseguros. Praticamente todos os setores da economia estão vendendo menos neste ano... Deve haver mais desemprego no país neste ano, sim, mas pode valer a pena. É uma situação ruim que pode vir a ser boa lá na frente. O país vai se sair melhor do que se ficar estagnado, vai voltar a crescer a taxas maiores. Veja as coisas boas que estão acontecendo no Brasil. Você não vê mais as mulheres com seis filhos. Hoje, a mulher tem dois filhos ou menos. Isso significa que não existe aquela pressão que havia antes sobre o mercado de trabalho. Outros pontos positivos: houve avanço na questão social do país, com o Bolsa Família. Não temos também mais aquela crise cambial que tivemos no passado, o país possui reservas. Se as reservas acabarem, aí, sim, sai debaixo, porque o Brasil não consegue vender em reais, começa a vender em dólar, o déficit público aumenta, o país tem de apertar mais e os preços explodem porque a taxa cambial vai embora. O que o sr. considera como o mais básico para um país crescer? Tive um professor, o conhecido John Kenneth Galbraith (escreveu a Era da Incerteza), que dizia que um país só se desenvolve mesmo quando acaba a classe servil, aquelas pessoas que se dispõem a fazer trabalho abjeto para outras pessoas. Eu, quando morei nos Estados Unidos, lavava prato e limpava privada. Outro economista, Arthur Lewis (de Santa Lúcia, no Caribe), já dizia que um país precisa esgotar o excedente de mão de obra sem impulsionar a demanda, o que faz com que o salário comece a subir, como aconteceu aqui. O pior que pode acontecer aqui agora é o salário voltar a cair. A política de câmbio na economia brasileira manteve o real excessivamente valorizado, o que prejudicou a exportação. O sr acha que o governo deveria não ligar para o câmbio, deixando-o flutuante? Essa valorização cambial começou no governo FHC. Eles tinham medo de perder o controle da inflação. Agora, você não resolve o problema da indústria só com o câmbio. A indústria precisa ser competitiva. Eu chamaria as multinacionais e diria que elas precisam integrar o Brasil nas cadeias produtivas. Os empresários são chorões, não fazem força para serem mais competitivos. É preciso aumentar a competitividade dentro da fábrica. Eles só querem isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e taxa de câmbio maior. A indústria automobilística tem 50 anos no Brasil e não tem um carro nacional. Quando eu era bolsista nos Estados Unidos, vi a chegada dos carros japoneses no mercado norte-americano, depois chegaram os coreanos. A vantagem disso é que o país avança tecnologicamente, e o ganho fica dentro do país. Agora, os chineses estão fazendo isso. E o Brasil boboca está aí. A Gurgel tentou fazer isso, mas não conseguiu. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) deveria ter ajudado a Gurgel da mesma forma que ajudou outros setores. O sr vê algum paralelo entre este momento e aquele que o país enfrentou na época do final do governo Collor? A situação era difícil, e o temor era que o impeachment balançasse o mercado de câmbio e a Bolsa, mas o Marcílio (Marques Moreira, entãop ministro da Fazenda) era um sujeito muito frio, e a equipe dele estava unida. Encarar com naturalidade faz parte do processo democrático. Só uma cabeça muito desvairada pode ver condições políticas para um impeachment da presidente Dilma neste momento. Quando se fala em gestão presidencial, a responsabilidade é da presidente Dilma. Agora, até por ela para fora, existe uma distância muito grande. Diário do Comércio

Sobre o autor

Alberto Spoljarick Neto

Alberto Spoljarick Neto é o gerente de marketing e eventos da Associação Comercial e Industrial de Mogi Guaçu. Formado em Publicidade e Propaganda e Relações Públicas pela ESAMC, ele continua se aperfeiçoando em tendências de consumo de mercado e as aplicando para os empreendedores de nossa cidade.