15 lições de planejamento e gestão das cerimônias da Olimpíada
Publicado em 23/08/2016
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Foram cinco anos de preparativos. O esforço investido na produção das cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Olimpicos e Paraolímpicos 2016 no Rio não ficou nada a dever à complexidade de implantação de uma grande fábrica ou da construção de uma sonda de perfuração de petróleo.
A diferença está no tipo de ativo utilizado. Tirando energia elétrica, mão-de-obra especializada e materiais para figurino e cenário, a maior parte dos insumos gira em torno de conhecimento, criatividade e técnicas artísticas.
Os shows do Maracanã são legítimos representantes da economia criativa e têm muito a ensinar a quem empreende. Veja porque as festas encantaram o mundo e ganharam o status de brand do Brasil.
1- PENSAR GRANDE
Os shows da Olimpíada representam o momento máximo de atenção da audiência do evento e ficam na memória, pode se dizer, por gerações. Passam a sintetizar a identidade do país-sede.
Desde o início, o desenvolvimento do projeto da Rio 2016 atendeu o objetivo estratégico de torná-lo um símbolo dos talentos do país, Gisele Bündchen à frente. Nas palavras posteriores do jornal espanhal El Pais, foi uma “celebração do melhor que o Brasil deu ao mundo”.
2- SELECIONAR A LIDERANÇA
Para ter um produto grandioso, deve-se buscar os talentos mais capazes para entender a encomenda, criar o conceito e desenvolver o projeto com os melhores recursos. O Comitê Olímpico promoveu uma seleção internacional para escolher a empresa que tocaria o projeto.
A proposta vencedora unia duas agências especializadas, a brasileira SRCOM, com grandes espetáculos no portfólio, e a italiana Filmmaster Group, responsável pela abertura de vários eventos esportivos na Europa. O mesmo princípio de excelência valeu para o restante da equipe.
3- GARANTIR A BOA GESTÃO
A escolha do CEO do projeto passou longe de interesses políticos, confiada a um headhunter. Ganhou o administrador de empresas Leonardo Caetano, executivo da Fox Channel e zero de traquejo em grandes espetáculos.
Forte em controle financeiro e processos, coube a Caetano montar a equipe técnica de 700 pessoas e, principalmente, escolher os talentos que tocariam a parte criativa do evento.
Ele também precisou pensar nos 12 mil voluntários que estrelaram os espetáculos, entre figurantes e artistas, e no desfile dos 10 mil atletas de 206 delegações.
4- ESCOLHER OS MELHORES
O pulo do gato de Caetano consistiu em formar uma equipe polivalente com alguns dos melhores criativos do país. Vieram para o time a cenógrafa Daniela Thomas (responsável, entre outros projetos, pelo Museu do Futebol, em São Paulo), os cineastas Fernando Meirelles e Andrucha Waddington, a carnavalesca mega campeã Rosa Magalhães e a coreógrafa Deborah Colker.
5- DELEGAR E CONFIAR
Com diretrizes bem definidas, cada um em sua área, a equipe de diretores criativos teve liberdade para botar a imaginação em campo.
Os limites eram: fazer muito com pouco; nada de clichê; usar a criatividade brasileira para compensar o orçamento reduzido; montar um espetáculo rico e sofisticado. Não se ouviu falar em guerra de egos ao longo do projeto.
6- PLANEJAR E MONITORAR
Da definição do conceito ao orçamento e organograma, tudo foi pensado e previsto no planejamento. Estavam lá as 400 mil horas de trabalho, 500 horas de ensaios e a produção de 10 mil figurinos. Uma maquete do Maracanã serviu para testar ideias e antecipar soluções.
7- CONSULTAR DIVERSOS PÚBLICOS
A escolha do tema e do caminho criativo do espetáculo não sairam apenas de três cabeças coroadas. Muito antes, os organizadores se reuniram com mais de 100 personalidades nacionais, entre artistas, atletas, executivos e intelectuais, para tirar um consenso sobre algo de que, nós brasileiros, ainda temos sérias dúvidas.
A questão Qual é mesmo a identidade brasileira que vamos mostrar ao mundo? foi objeto de quatro meses de discussões em grupo. Três bilhões de pessoas viram o resultado.
8- DEFINIR O POSICIONAMENTO-CHAVE
Organizadas no Rio e produzidas por uma equipe formada na maioria por cariocas, as cerimônias poderiam cair na tentação fácil de reproduzir os clichês com que o mundo identifica a cidade.
Ou ir para o excesso de patriotismo, como já aconteceu em outras olimpíadas e que costuma causar estranheza no restante do mundo.
A escolha de um tema subjetivo que dissesse respeito a todo o país, como a personalidade do brasileiro em todas as suas nuances, incluindo a relação com uma natureza paradisíaca, uma rica cultura, o gosto pela mistura e a capacidade de superação pela criatividade, deu base para a construção de um produto muito bem desenvolvido.
9- AVALIAR IMPACTOS
A escolha de temas teve um toque global, com as referências às grandes questões em discussão no mundo - as mudanças climáticas, a tolerância e a diversidade. Entre tantas atrações, a reinvenção do Hino Nacional por Paulinho da Viola foi uma das mais simbólicas e aclamadas.
10- ENTENDER O CLIENTE
Havia o cliente povo brasileiro e havia o cliente audiência internacional. A organização fugiu dos clichês que poderiam fazer cair em uma cerimônia carioca.
E podou o estilo patriótico visto em outras olimpíadas, para desgostos das plateias internacionais. A plasticidade, a alegria e o ritmo tão associados aos brasileiros perpassaram toda a festa. O apelo dos temas globais, como equilíbrio ambiental e a preocupação com o futuro, diz respeito a todos.
11- FORTALECER A MOTIVAÇÃO
O projeto idealizado precisava de 12 mil participantes. Como convém ao espírito olímpico, o trabalho teve caráter voluntário e aberto para quem quisesse se inscrever para as provas de seleção.
Foram quatro meses de audições para escolher a turma. Do lado dos artistas, a organização garante que Caetano Velloso, Paulinho da Viola, Gilberto Gil, Anitta, Jorge Ben e os demais se apresentaram sem receber cachê.
Nos últimos seis meses antes do evento, as equipes se reuniam semanalmente para testar ideias, coreografias e efeitos especiais. A proximidade e a condição de voluntário dos participantes acentuaram o orgulho de integrar a equipe.
12- APROVEITAR O MELHOR DE CADA UM
Assim como os artistas convidados vieram das mais variadas correntes da música e dança brasileiras, e não apenas do mainstrean, aos figurantes voluntários não foi exigido ser profissional.
Os organizadores queriam contar com gente habilidosa em dança, canto, atuação, patins, bicicleta e acrobacia. As 500 horas de ensaios colocaram todo mundo na mesma página.
13- OTIMIZAR RECURSOS
Entre as ideias simples com resultado espetacular, os criadores distribuíram sementes aos atletas, de acordo com a nacionalidade. Plantadas no parque próximo a uma das instalações olímpicas, devem florescer até formar a futura Floresta dos Atletas.
Outra solução engenhosa foi o convite a duas divas, Fernanda Montenegro e a inglesa Judy Dench, para ler um poema de Carlos Drummond de Andrade em transmissão mundial.
14- SUPERAR AS LIMITAÇÕES
Imprevistos e restrições não faltaram. A cenógrafa Daniela Thomas definiu o projeto como Cerimônia da Gambiarra.
O Maracanã não oferecia as melhores condições para um espetáculo desse porte. As verbas foram cortadas no meio do caminho. Pelé não podia mais acender a tocha olímpica. A presença do presidente interino, confirmada de última hora, daria vaia na certa.
Nada que não pudesse ser resolvido com improvisação, criatividade e fairplay. Por exemplo, muitas compras foram feitas na região do Saara, a rua 25 de Março do Rio.
No lugar de cenários grandiosos, projeções criaram a ilusão perfeita. Para diminuir a dependência da tecnologia, uma parte da inspiração foi buscada nas técnicas usadas em festas da antiguidade na Grécia e em Roma.
15- SURPREENDER O CLIENTE
Depois de muitos muxoxos e prognósticos pessimistas sobre os Jogos Olímpicos, brasileiros e estrangeiros se surpreenderam e se deleitaram com a performance apresentada na cerimônia de abertura no Maracanã, no dia 5 de agosto.
A cobertura da imprensa internacional usou todos os sinônimos de deslumbrante e comovente para descrever o evento.
O mesmo impacto ocorreu na festa de encerramento. Dirigida pela campeã dos carnavais cariocas, Rosa Magalhães, girou em torno da ideia dos diretores criativos de homenagear os artistas anônimos do país, capazes de produzir obras de grande beleza com recursos escassos. Claro, sob a forma de um grande desfile de carnaval.
Uma festa à moda brasileira, de quem está acostumado a encarar os problemas mantendo o bom humor.
Diário do Comércio
Sobre o autor

Alberto Spoljarick Neto
Alberto Spoljarick Neto é o gerente de marketing e eventos da Associação Comercial e Industrial de Mogi Guaçu. Formado em Publicidade e Propaganda e Relações Públicas pela ESAMC, ele continua se aperfeiçoando em tendências de consumo de mercado e as aplicando para os empreendedores de nossa cidade.