Entre o trauma e o aprendizado

Publicado em 17/03/2014

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Segurar os gastos com supérfluos, com medo de que algo muito ruim aconteça no fim do mês. Esse receio pode ser bom (e até recomendável) para quem está inadimplente ou endividado – e que tem um ímpeto natural para o consumo. Mas esse sentimento pode ser negativo se levado ao extremo por pessoas de outro perfil. Se gastar sem culpa não é problema para o "endividado ativo" – aquele que sai do vermelho e acaba entrando de novo – é um transtorno para o "endividado passivo". Segundo a definição de Márcia Tolotti, psicanalista e coach (orientadora) psicofinanceira, o endividado passivo é aquele que teve problemas financeiros graves por causa de alguma situação externa. É a pessoa que passou por um divórcio que mexeu profundamente nas finanças, que perdeu um emprego ou que investiu tudo (e até pegou dinheiro emprestado) para empreender em algo que não deu certo. Não é uma pessoa que necessariamente gastava muito dinheiro, mas que por motivos externos se viu numa situação difícil com as dívidas. Geralmente, diz Márcia, esse perfil de endividado fica com trauma de gastar dinheiro, mesmo depois de reorganizar as finanças. É um cidadão que não aparece nas estatísticas – já que o medo de gastar é raro na população brasileira – e que também não gosta muito de divulgar os percalços pelos quais passou. "Quem ficou assim, com receio de consumir depois de quitar todos os débitos, já tinha uma tendência a segurar os gastos antes de ficar endividado. E quando se organizou voltou a manifestar esta tendência novamente. É um perfil mais difícil de encontrar. O perfil de endividado mais comum é aquele que não consegue se controlar e, por isso, precisa cancelar o cartão de crédito ou escondê-lo em casa. Ele é otimista e tem que se proteger do impulso", explica Vera Rita de Mello Ferreira, psicanalista e consultora independente de psicologia econômica. A neura da reserva financeira O medo de gastar, tão raro por aí, só faz parte da vida de quem passou pelo endividamento passivo. Uma profissional autônoma, que prefere não se identificar, diz que o efeito do desemprego e mais um divórcio em sua vida financeira, há 12 anos, foi tão devastador que ela nunca esquece. Essa memória boa a ajudou a formar uma reserva financeira para passar por imprevistos, mas também a deixou um pouco "neurótica". "Tenho uma reserva financeira e, para ela, determinei um piso. Como trabalho com prestação de serviços, acabo usando mais a reserva em janeiro e fevereiro. Quando tiro mais do que o que eu estipulei como o piso entro em parafuso", conta. Afinal, foram quatro longos anos para quitar contas com o banco, por causa de um empréstimo para pagar as despesas fixas, como condomínio, água e luz e mais convênio médico dela e de dois filhos. Depois de uma reformulação na carreira, ampliando o campo de trabalho, a autônoma conseguiu estabilidade. "Antes eu só ganhava dinheiro para viajar e, depois disso, ficou a lembrança da ansiedade que passei. Hoje só viajo e compro presentes para meus filhos se a reserva subir a partir de um determinado nível", ressalta. Se por um lado a criação de uma reserva financeira acabou sendo um aprendizado para a autônoma, por outro lado se tornou um ícone. Na opinião de Márcia, é uma marca simbólica que o ex-endividado passivo cria para sempre se lembrar do que aconteceu. "O endividado passivo escolhe um ícone que o remeta ao problema que ele passou. Pode ser uma poupança na qual não mexe ou mesmo a atitude de cancelar os cartões de crédito e o cheque especial e não voltar a usá-los nunca mais. Ou deixar de comprar parcelado. No fundo, são mecanismos de defesa. Assim, ele se sente seguro", explica. Segundo a coach psicofinanceira, a tendência é que ao longo do tempo o ex-endividado que "fechou a mão" volte a viver uma vida normal. No entanto, ele precisa prestar atenção a alguns sinais para ver se não está exagerando na dose de Tio Patinhas. Se isso começar a ser notado pela família, pelos colegas de trabalho e as demais pessoas do convívio social, o ideal é parar para pensar. "É preciso verificar os feedbacks. O normal é pagar as contas em dia sem juros, guardar uma parte para a aposentadoria e para uma reserva de emergência. O resto tem que gastar porque senão fica no desequilíbrio", diz a psicanalista. A coach explica que uma pessoa nesta situação vai precisar criar uma cota ou estipular um valor para gastar consigo mesma, se presentear e se autorizar a ter uma vida boa. "É uma minoria que tem esse problema, mas essas pessoas existem. E tal como o endividado ativo, que gasta sem culpa, ele também precisará perceber que tem um problema. É a pessoa que é muito severa consigo mesma e não consegue se perdoar pelo que aconteceu no passado. Para elas, o não gastar é uma punição", analisa Márcia. Antes de estipular um valor para gastar, esse perfil de pessoa tem de escolher um prazo para começar. "É possível dividir a reserva financeira e deslocar um recurso mensal para viver e torrar. O que não pode é mexer na quantia guardada para o longo prazo (aposentadoria) e na reserva para emergência, que deve ser o equivalente a três vezes o valor das despesas para se manter", conclui a psicanalista. Fonte: Diário do Comércio

Sobre o autor

Alberto Spoljarick Neto

Alberto Spoljarick Neto é o gerente de marketing e eventos da Associação Comercial e Industrial de Mogi Guaçu. Formado em Publicidade e Propaganda e Relações Públicas pela ESAMC, ele continua se aperfeiçoando em tendências de consumo de mercado e as aplicando para os empreendedores de nossa cidade.


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